Por que dados e dashboards não são suficientes?
Existem abordagens que vão muito além dos dados
Tudo bem por aí?
A edição #08 da nossa Newsletter chega dividida em 2 partes:
1 - Um papo sobre pesquisa, dados e análises.
2 - #SextounaDTG: as dicas do nosso time sobre o que tem feito a nossa cabeça.
Boa leitura e bom fim de semana!
A onda analítica, repleta de dados, números e gráficos supostamente deveria servir para orientar a tomada de decisão das lideranças, mas nem sempre isso acontece. Não faltam informações, mas será que as análises sobre essas informações dizem o que realmente importa?
Toda vez que começamos um novo projeto existe aquele momento de imersão para conhecer tudo o que a organização produz sobre ela mesma e sobre seus clientes: pesquisas, análises, planos, dashboards. Nossa missão começa justamente ao mapear "pontos cegos" em todo esse material, essenciais para o andamento do projeto.
Existem algumas hipóteses sobre esses pontos cegos:
Boa parte das pesquisas segue uma metodologia única e engessada, que não se adapta aos contextos individuais.
A liderança imprime um viés na pesquisa, buscando validar suas próprias hipóteses e acredite, já vimos clientes "empenar'' vários resultados.
No caso de pesquisas com consumidores, geralmente quem monta a pesquisa está muito distante do público pesquisado, o que gera uma visão nada empática e estigmatizada.
Ouve-se pouco os profissionais da ponta para construir a pesquisa, aqueles que estão no contato diário com clientes.
Valoriza-se muito o que os altos executivos têm a dizer, mas são esses profissionais da ponta que conhecem "a vida como ela é".
Muitas perguntas e mecânicas são tendenciosas, com ou sem intenção.
Independente destes e de outros problemas, vamos dizer que a empresa resolva rodar as pesquisas de sempre (o que geralmente acontece). Além disso, ela também produz uma infinidade de relatórios (boa parte não são usados). Mas existem diversos problemas acumulativos ao trabalhar com informações que ofuscam a realidade.
Os números, métricas e dados te dizem "O que", mas raramente revelam o "porquê" das coisas.
A interpretação e a análise sempre sofrem os mesmos vieses de quem está sentado no escritório, distante do olho no olho com as pessoas e da vida real.
As pessoas mentem. Simples assim. Quando participando de pesquisas, as pessoas acabam motivadas a responder:
O que acreditam que o outro queira ouvir.
O que acreditam ser "a resposta certa".
O que acreditam refletir um estilo de vida ideal e não sua experiência real.
O que acreditam poder gerar alguma vantagem em seu interesse pessoal.
O que reflete o que estão sentindo no exato momento em que preenchem a pesquisa, ou seja, a resposta varia de acordo com o contexto externo.
Para fugir dessas pegadinhas, experimentamos vários caminhos até chegar a um jeito híbrido de cruzar informações antes de partirmos para a análise.
No caso, começamos a partir da Antropologia, trazendo práticas de etnografia para o contexto corporativo. Assim, falamos com uma amostra relativamente pequena, mas diversa e de maneira mais profunda, o que chamamos de hiper-quali ou pesquisa etnográfica em design. Vamos até o contexto real das pessoas, geralmente vivenciando e/ou utilizando determinado produto, serviço ou experiência.
Em ambientes internos, buscamos nos infiltrar (sempre de forma declarada) no trabalho dos pesquisados, utilizando mais do que um questionário. Aliás, quase nunca usamos perguntas prontas, só uma lista de temas.
Além do que é dito, aguçamos outros sentidos para observar com cuidado, sentir o ambiente, perceber as subjetividades de cada contexto. Na entrevista, buscamos estabelecer uma conversa genuinamente curiosa, pedindo que as pessoas nos contem histórias e revelem seus sentimentos por trás dessas histórias.
O que queremos entender são os comportamentos, sentimentos e emoções no momento em que usam um produto ou serviço, além de qual o impacto isso gera em suas vidas. Só assim, temos uma radiografia mais clara das motivações por trás das decisões e percepções.
É aí que está o tesouro dessa forma de trabalhar. Se quiser saber mais sobre os fundamentos dessa abordagem recomendamos alguns autores da Economia Comportamental, que inclusive já ganharam o prêmios Nobel: David Kahneman e Richard Thaler.
Isso exclui a relevância, a necessidade dos dados ou de pesquisas quantitativas?
Não. O ideal é triangular abordagens de forma complementar. Utilizamos dados para orientar nossa investigação e nossas descobertas etnográficas para calibrar o que os dados dizem. As vezes, as respostas estão no “não dito” como um sintoma por trás do que foi falado de fato.
Executivos geralmente preferem algo mais assertivo, que devolva um dashboard cheios de indicadores e gráficos. No caso, os dados importam, mas não possuem identidade. Quando lidamos com pessoas, é fundamental ampliar e humanizar a visão. Tomar más decisões olhando para números, é sempre mais fácil.
As descobertas em campo são tão fortes, que passamos a levar alguns dos executivos como testemunhas do que encontramos, para provocar maior sensibilização, ou porque, em muitos casos, eles não acreditavam nos resultados.
Num contexto cada vez mais tecnológico, talvez um dos principais diferenciais competitivos de qualquer organização seja esse olhar humano mais profundo, que abre mão das telas e dos escritórios para ir a campo, tentar se colocar minimamente no lugar das pessoas e fazer com que essa experiência gere insights mais inovadores, significativos, valiosos e sustentáveis aos envolvidos.
Três artigos sobre o tema:
Update or Die: Saber tanto e tão pouco: estamos repletos de informação e vazios de análise
Harvard Business Review: Data Is Great — But It’s Not a Replacement for Talking to Customers
EPIC: How Ethnographic Exhibits Can Shift Business Paradigms
#Sextou na DTG: Antes de nos despedir, aqui vão as dicas do time
Thalita Barbalho: Etnografia é um conjunto de métodos que auxilia no entendimento de pessoas e seus comportamentos em diferentes sociedades e culturas. É uma prática que envolve pesquisa de campo, observação, vídeos, fotografias e outras formas de vivências e registros que ajudem a aprofundar o entendimento.
Esse modelo de pesquisa geralmente é conduzido de forma presencial e nesse podcast a antropóloga Sarah Pink fala sobre como pensar a etnografia digital e remota.
__________________
Dudu Loureiro: Manter, fortalecer ou mesmo criar uma cultura organizacional ganhou mais um camada de desafio no contexto remoto, com times distantes e todo mundo enfrentando duzentas reuniões por dia. Como engajar relacionamentos na equipe desse jeito?
O livro 'Rituals for Virtual Meetings: Creative Ways to Engage People and Strengthen Relationships' lançado no começo do ano, aprofunda o conceito dos rituais (tão caros à abordagem ágil) e que podem ser ótimos artefatos culturais para além do desenvolvimento de produtos.
__________________
Paulo Emediato: Uma boa lista de livros em português da Newsletter “Manual do Usuário”: https://manualdousuario.net/livros-recomendados/ Já li alguns e inclui outros na minha listinha.
__________________
Ciso Lima: POKÉMON E STAR WARS DENUNCIAM PREDADORES DA CIÊNCIA | Vídeo | Ciência; Artigos;
Como a academia, com suas normas e padrões, abriu precedentes para um desqualificado e inescrupuloso mercado de publicação de artigos científicos e como Pokémon e Star Wars tem lutado contra tais oportunistas.
__________________
Rubens Aguiar: Christine Sun Kim é uma artista americana que investiga como o som opera na sociedade. Neste vídeo-performance, ela questiona a posse do som, a partir da perspectiva pessoal de quem convive com a deficiência auditiva.
__________________
Eduardo Rigotto: A dica dessa semana é uma delícia. Um mergulho na poesia de Noel Rosa e nos estilos da música brasileira. Feito nos anos 90, traz as principais letras do "poeta da vila" interpretadas e arranjadas pelos principais músicos brasileiros da época. Cada um ao seu estilo. Tem Cassiano tocando Soul, Gil cantando Samba, Moraes Moreira tocando Frevo, Nelson Gonçalves no seu estilo próprio e muitos outros, quase todos deliciosos. Comece pelo Feitiço da Vila mas ouça o disco inteiro, excelente trilha sonora.
P.S. O Noel é um dos nossos enormes poetas que se foi cedo. Morreu de tuberculose aos 26.